Nota de Repúdio / Programas que não estejam de acordo com as normativas vigentes no âmbito da Assistência Social
11 de janeiro de 2024
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NOTA DE REPÚDIO DO CONGEMAS
O Colegiado Nacional de Gestoras/es Municipais de Assistência Social – Congemas, entidade representativa dos municípios nas instâncias do Sistema Único de Assistência Social – SUAS e demais espaços de formulação de políticas públicas, tomou conhecimento da publicação da Lei nº 7.389, em 08 de janeiro de 2024, sancionada pela Governadora em exercício do Distrito Federal, Celina Leão, que institui o Programa Adote um Equipamento de Assistência Social.
A referida Lei objetiva “incentivar a participação da sociedade civil organizada e de pessoas jurídicas, na conservação, recuperação e manutenção dos Equipamentos de Assistência Social, bem como no patrocínio e na realização de atividades voltadas à Assistência Social pública”. Os “adotantes” assumirão integramente as responsabilidades na execução dos projetos, quanto à destinação de recursos e materiais próprios, junto aos Centros de Referência de Assistência Social – CRAS, Centros de Referência Especializados de Assistência Social – CREAS, Centros Especializados de Atendimento à População de Rua – Centro Pop, Centros de Convivência, entre outros Equipamentos de Assistência Social.
O Congemas manifesta, por meio da presente nota, REPÚDIO a qualquer tipo de programa que não esteja de acordo com as normativas vigentes no âmbito da Assistência Social, ancorados pela CF/1988 a exemplo do PROGRAMA “ADOTE UM EQUIPAMENTO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL”, sancionado pela governadora em exercício do Distrito Federal Celina Leão, e compreende que este programa, instituído por Lei, expressa um retrocesso e descumpre a Constituição Federal de 1988, a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS – Lei nº 8.742/93) e as regulações do Sistema Único de Assistência Social, no que se refere, especialmente, a primazia da reponsabilidade do Estado, as corresponsabilidades definidas para os entes federados e o papel da sociedade civil na complementação das ações e serviços, restrito ao atendimento, assessoramento, assim como defesa e garantia de direitos.
A Constituição Federal de 1988 em seus artigos 194, 203 e 204 estabelece a Assistência Social como política pública de direitos, integrante do sistema de Seguridade Social ao lado e em equivalência à Saúde e à Previdência Social. A LOAS regulamenta os dispositivos constitucionais e estabelece que a Assistência Social brasileira se materializa por meio de um sistema público descentralizado e participativo. Esse sistema, conquistado pela população brasileira, por meio dos instrumentos democráticos de participação popular, adquire conteúdo a partir da Política Nacional de Assistência Social - PNAS de 2004 e das Normas Básicas (NOB/SUAS de 2005 e NOB/SUAS de 2012 e se consolida como Sistema Único de Assistência Social (SUAS) com as alterações e aprimoramentos realizados na LOAS, por meio da Lei 12.435, de 6 de julho de 2011. Portanto, trata-se de um sistema público com sólidas bases jurídico-normativas, tal qual preceitua a CF/88, garantindo-se a equivalência da Assistência Social com a Saúde e Previdência, conforme o artigo 194 da CF/88. Ainda sobre o tripé da Seguridade Social, estruturantes da proteção social mais ampla, é fundamental cumprir o disposto na CF/88, quanto à formulação do Orçamento da Seguridade Social (art. 165, § 5º, inciso III), que deve ser elaborado “de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e assistência social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias e assegurada a cada área a gestão de seus recursos, conforme estabelecido na CF, art. 195, § 2º”. O que as determinações constitucionais impõem ao Estado brasileiro, é a constituição de um fundo público da seguridade social com a canalização de recursos próprios e exclusivos para as políticas de saúde, da previdência e da assistência social, além do seguro-desemprego, distinto daquele que financia as demais políticas de governo. Tal definição em termos orçamentário e programático, reforça a institucionalidade da Assistência Social e a obrigação do executivo em assegurar recursos programáticos para as políticas de Seguridade Social. Dessa forma, a Lei nº 7.389 é inconstitucional.
A Assistência Social é um direito constitucional conquistado nas lutas sociais, e que evoluiu do ponto de vista institucional, de modo significativo, inclusive com a recente incorporação da Renda Familiar Básica como direito social assegurado no Artigo 6º da CF/88 (Emenda Constitucional nº 114/2021) e na LOAS (Lei Federal nº 14.284/2021). Do mesmo modo, o SUAS é uma conquista histórica do povo brasileiro e não pode sofrer retrocessos e novos ataques, diante do compromisso coletivo de sua reconstrução.
A organização da assistência social se dá a partir das diretrizes: I - descentralização político-administrativa para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e comando único das ações em cada esfera de governo; II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis; e III - primazia da responsabilidade do Estado na condução da política de assistência social em cada esfera de governo. Tais diretrizes estabelecem uma lógica de pacto federativo cooperativo, baseado na corresponsabilidade dos entes federados. Nesse sentido, a responsabilidade dos entes federados em manter serviços e unidades públicas de assistência social é um ponto essencial para o asseguramento deste que é um Direito Constitucional.
Cabe destacar, assim, como previsto no artigo 6º da Lei 8.742/1993, Lei Orgânica de Assistência Social, alterada pela Lei nº 12.435, de 2011, que a gestão da política de assistência social é organizada sob a forma de sistema descentralizado e participativo, denominado Sistema Único de Assistência Social (Suas), com os seguintes objetivos: I - consolidar a gestão compartilhada, o cofinanciamento e a cooperação técnica entre os entes federativos que, de modo articulado, operam a proteção social não contributiva; II - integrar a rede pública e privada de serviços, programas, projetos e benefícios de assistência social; III - estabelecer as responsabilidades dos entes federativos na organização, regulação, manutenção e expansão das ações de assistência social; IV - definir os níveis de gestão, respeitadas as diversidades regionais e municipais; V - implementar a gestão do trabalho e a educação permanente na assistência social; VI - estabelecer a gestão integrada de serviços e benefícios; e VII - afiançar a vigilância socioassistencial e a garantia de direitos.
O artigo 6º-B estabelece que “as proteções sociais básica e especial serão ofertadas pela rede socioassistencial, de forma integrada, diretamente pelos entes públicos e/ou pelas entidades e organizações de assistência social vinculadas ao Suas, respeitadas as especificidades de cada ação”; § 1º A vinculação ao Suas é o reconhecimento pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome de que a entidade de assistência social integra a rede socioassistencial”. Assim, as entidades e organizações de assistência social são aquelas sem fins lucrativos que, isolada ou cumulativamente, prestam atendimento e assessoramento aos beneficiários abrangidos pela LOAS, bem como as que atuam na defesa e garantia de direitos. Portanto, a modalidade de apoio das entidades não está prevista na LOAS.
De outra face, compete ao Distrito Federal, essencialmente, como estabelece o Artigo 14 da LOAS: I - destinar recursos financeiros para custeio do pagamento dos benefícios eventuais de que trata o art. 22, mediante critérios estabelecidos pelos Conselhos de Assistência Social do Distrito Federal; II - efetuar o pagamento dos auxílios natalidade e funeral; III - executar os projetos de enfrentamento da pobreza, incluindo a parceria com organizações da sociedade civil; IV - atender às ações assistenciais de caráter de emergência; V - prestar os serviços assistenciais de que trata o art. 23 desta lei; VI - cofinanciar o aprimoramento da gestão, os serviços, os programas e os projetos de assistência social em âmbito local; VII - realizar o monitoramento e a avaliação da política de assistência social em seu âmbito.
A Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB SUAS) disciplina a gestão pública da Política de Assistência em todo território brasileiro, exercida de forma sistêmica pelos entes federativos, em consonância com a Constituição Federal, de 1988, e a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), de 1993. A Norma regula competências comuns e específicas, e cabe ao DF, entre outras responsabilidades específicas, conforme o artigo 16: “V - prestar os serviços socioassistenciais de que trata o art. 23, da LOAS; VI - cofinanciar o aprimoramento da gestão, dos serviços, programas e projetos de assistência social em âmbito local; VIII - aprimorar os equipamentos e serviços socioassistenciais, observando os indicadores de monitoramento e avaliação pactuados; IX - organizar a oferta de serviços de forma territorializada, em áreas de maior vulnerabilidade e risco, de acordo com o diagnóstico socioterritorial, construindo arranjo institucional que permita envolver os Municípios da Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno - RIDE; X - organizar, coordenar, articular, acompanhar e monitorar a rede de serviços da proteção social básica e especial”
Sendo assim, considerando as previsões legais, o pacto federativo, a necessária manutenção dos serviços e unidades públicas, compreendemos que a Lei nº 7.389/24 contraria a primazia e as competência do ente Distrito Federal, especialmente porque é de responsabilidade desse ente, instalar, restaurar e manter as unidades públicas de assistência social, com recursos próprios devidamente inscritos no ciclo orçamentário (Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentária e Lei Orçamentária Anual) Ademais, tal legislação abre um precedente de desresponsabilização do poder público, com flagrante transferência de responsabilidade à sociedade civil e de evidente sinais de “refilantropização” da política de assistência social e desresponsabilização do executivo do DF.
O atual contexto de reconstrução e de fortalecimento do SUAS requer que os entes federativos cumpram plenamente as suas competências e avancem na universalização da proteção social. Desse modo, nos manifestamos contrariamente à referida Lei. Esta manifestação além de pública será encaminhada às respectivas instâncias, com a expectativa de revogação da mesma e de desmobilização de outras iniciativas por demais entes federados.
Brasília, DF, 10 de janeiro de 2024.
PENÉLOPE REGINA SILVA DE ANDRADE
Presidenta do CONGEMAS
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